Amor de Perdição by Camillo Castello Branco


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Page 68

Quando intimaram a Sim�o Botelho a decis�o do recurso e a gra�a do
regente, o pr�so respondeu que n�o aceitava a gra�a; que queria a
liberdade do degredo; que protestaria perante os poderes judiciarios
contra um favor que n�o implor�ra, e que reputava mais atroz que a
morte.

Domingos Botelho, avisado da rejei��o do filho, respondeu que fizesse
elle a sua vontade; mas que a sua victoria d'elle, sobre os protectores
e os corrompidos pelo ouro do fidalgo de Vizeu, estava plenamente
obtida.

Foi aviso ao intendente geral da policia, e o nome de Sim�o Botelho foi
inscripto no catalogo dos degredados para a India.




IX.


A verdade � algumas vezes o escolho de um romance.

Na vida real, recebemol-a como ella s�e dos encontrados acasos, ou da
logica implacavel das coisas; mas, na novella, custa-nos a soffrer que o
author, se inventa, n�o invente melhor; e, se cop�a, n�o minta por amor
da arte.

Um romance, que estriba na verdade o seu merecimento, � frio, �
impertinente, � uma coisa que n�o sacode os nervos, nem tira a gente,
sequer uma temporada, em quanto elle nos lembra, d'este jogo de nora,
cujos alcatruzes somos, uns a subir, outros a descer, movidos pela
manivella do egoismo.

A verdade! se ella � feia, para que offerec�l-a em paineis ao publico!?

A verdade do cora��o humano! Se o cora��o humano tem filamentos de
ferro, que o prendem ao barro d'onde sahiu, ou pezam n'elle e o
submergem no charco da culpa primitiva, para que � emergil-o,
retratal-o, e dal-o � venda!?

Os reparos s�o de quem tem o juizo no seu logar; mas eu que perdi o meu
a estudar a verdade, j� agora a desforra que tenho � pintal-a, como ella
�, feia e repugnante.

A desgra�a afervora ou quebranta o amor?

Isso � que eu submetto � decis�o do leitor intelligente. Factos e n�o
theses � que eu trago para aqui. O pintor retrata uns olhos, e n�o
explica as func�es opticas do apparelho visual.

Ao cabo de dezenove mezes de carcere, Sim�o Botelho almejava um raio de
sol, uma lufada de ar n�o coada por ferros, o pavimento do ceu, que o da
abobada do seu cubiculo pesava-lhe sobre o peito.

Ancia de viver era a sua; n�o era j� ancia de amar.

Seis mezes de sobresaltos diante da forca deviam distender-lhe as fibras
do cora��o; e o cora��o, para o amor, quer-se forte e tenso de uma certa
rijeza, que se ganha com o bom sangue, com os anceios das esperan�as, e
com as alegrias que o enchem e refor�am para os revezes.

Cahiu a forca pavorosa aos olhas de Sim�o; mas os pulsos ficaram em
ferros, o pulm�o ao ar mortal das cad�as, o espirito intanguido na
glacial estupidez d'umas paredes salitrosas, e d'um pavimento, que res�a
os derradeiros passos do ultimo padecente, e d'um tecto que filtra a
morte a gottas d'agua.

O que � o cora��o, o cora��o dos dezoito annos, o cora��o sem remorsos,
o espirito anhelante de glorias, ao cabo de dezoito mezes de estagna��o
da vida?

O cora��o � a viscera, ferida de paralysia, a primeira que fallece
suffocada pelas rebelli�es da alma que se identifica � natureza, e a
quer, e se devora na ancia d'ella, e se estorce nas agonias da
amputa��o, para as quaes a saudade da felicidade extincta � um cauterio
em braza, e o amor que leva ao abysmo pelo caminho da sonhada
felicidade, n�o � sequer um refrigerio.

Ao desla�ar da garganta a corda da justi�a, Sim�o Botelho teve uma hora
de desaf�go, como que sentia o patibulo lascar entre os seus bra�os, e
ent�o convidou o cora��o da mulher, que o perd�ra, a assistir �s
segundas nupcias da sua vida com a esperan�a.

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Books | Photos | Paul Mutton | Thu 25th Dec 2025, 21:59