Amor de Perdição by Camillo Castello Branco


Main
- books.jibble.org



My Books
- IRC Hacks

Misc. Articles
- Meaning of Jibble
- M4 Su Doku
- Computer Scrapbooking
- Setting up Java
- Bootable Java
- Cookies in Java
- Dynamic Graphs
- Social Shakespeare

External Links
- Paul Mutton
- Jibble Photo Gallery
- Jibble Forums
- Google Landmarks
- Jibble Shop
- Free Books
- Intershot Ltd

books.jibble.org

Previous Page | Next Page

Page 52

Thereza ia escrever uma palavra, quando a penna lhe cahiu da m�o, e uma
convuls�o lhe vibrou todo o corpo por largo espa�o. N�o escreveu a
palavra; mas a ideia de _forca_ parou-lhe a vida. A freira entrou na
cella a pedir-lhe a carta, porque o correio ia partir. Thereza,
indicando-lh'a, disse:

--Leia, se quizer, e feche-a, por caridade, que eu n�o posso.

Nos tres dias seguintes Thereza n�o sahiu do leito. A cada hora, as
religiosas assistentes esperavam que ella fechasse os olhos.

--Custa muito morrer!--dizia algumas vezes a enferma.

N�o faltavam piedosos discursos a divertirem-lhe o esp�rito do mundo.

Thereza ouvia-os, e dizia com ancia:

--Mas a esperan�a do ceu, sem elle!... que � o ceu, meu Deus?

E o apostolico capell�o do mosteiro n�o sabia dizer se os bens do ceu
tinham commum com os do mundo as delicias que falsamente na terra se
chamam assim.

Aquellas subtilezas espirituaes, que vem com algumas especies de tisica,
assim � maneira dos ultimos lampejos da vital flamma, tinha-as a
enferma, quando acontecia fallarem-lhe as religiosas na bemaventuran�a.
�s vezes, se o capell�o, convidado pela lucidez de Thereza, entrava os
dominios da philosophia, tratando como problema a immortalidade da alma,
a inculta senhora argumentava em breves termos, mas com raz�es t�o
claras a favor da uni�o eterna das almas, j� d'este mundo esposas, que o
padre ficava em duvida se seria heretico contestar uma clausula n�o
inscripta em algum dos quatro evangelhos.

Maravilhava-se j� a medicina da pertinacia d'aquella vida. Tinha a
abbadessa escripto a seu primo Thadeu, apressurando-o a ir v�r o anjo ao
despedir-se da terra. O velho, tocado de piedade, e por ventura de amor
paternal, deliberou tirar do convento a filha na esperan�a de salval-a
ainda. Uma forte raz�o accrescia �quella: era a mudan�a do condemnado
para os carceres do Porto. Deu-se pressa, pois, o fidalgo, e chegou ao
Porto a tempo que a religiosa, amiga da outra de Lamego, entregava �
doente esta carta de Sim�o:

�N�o me fujas ainda, Thereza. J� n�o vejo a forca, nem a morte. Meu pae
protege-me, e a salva��o � possivel. Prende ao cora��o os ultimos fios
da tua vida. Prolonga a tua agonia, em quanto eu te disser que espero.
�manh� vou para as cad�as do Porto, e hei de ali esperar a absolvi��o ou
commuta��o da senten�a. A vida � tudo. Posso amar-te no degredo. Em toda
a parte ha ceu, e flores, e Deus. Se viveres, um dia ser�s livre; a
pedra do sepulcro � que nunca se levanta. Vive, Thereza, vive! Ha dias
lembrava-me que as tuas lagrimas lavariam da minha face as n�doas do
sangue do enforcado. Esse pesad�lo atroz passou. Agora, n'este inferno
respira-se; o esparto do carrasco j� me n�o aperta em sonhos a garganta.
J� fito os olhos no ceu, e reconhe�o a providencia dos infelizes. Hontem
vi as nossas estrellas, aquellas dos nossos segredos nas noites da
ausencia. Volvi � vida, e tenho o cora��o cheio de esperan�as. N�o
morras, filha da minha alma!�

Ia alta a noite, quando Thereza, sentada no seu leito, leu esta carta.
Chamou a criada para ajudal-a a vestir. Mandou abrir a janella do seu
quarto, e encostou a face �s rexas de ferro. Esta janella olhava para o
mar; e o mar era n'essa noite uma immensa flamma de prata; e a lua
esplendidissima eclipsava o fulgor d'umas estrellas, que Thereza
procurava no ceu.

--S�o aquellas!--exclamou ella.

--Aquellas qu�, minha senhora?--disse Constan�a.

--As minhas estrellas!... pallidas como eu... A vida! ai! a
vida!--clamou ella, erguendo-se, e passando pela fronte as m�os
cadavericas--Quero viver! Deixai-me viver, � Senhor!

--Ha de viver, menina! ha de viver, que Deus � piedoso!--disse a
criada--mas n�o tome o ar da noite. Este nevoeiro do rio faz-lhe grande
mal.

--Deixa-me, deixa-me, que tudo isto � viver... N�o vejo o ceu ha tanto
tempo! Sinto-me resuscitar aqui, Constan�a! Porque n�o tenho eu
respirado todas as noites este ar?! Eu poderei viver alguns annos?
poderei, minha Constan�a? Pede tu, pede muito � minha Virgem Santissima!
Vamos orar ambas!... Vamos, que o Sim�o n�o morre... O meu Sim�o vive e
quer que eu viva. Est� no Porto amanh�; e talvez j� esteja...

Previous Page | Next Page


Books | Photos | Paul Mutton | Mon 22nd Dec 2025, 17:33