Amor de Perdição by Camillo Castello Branco


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Page 51

A prelada j� estava sabedora dos successos, por emissarios que se
adiantaram ao moroso caminhar da liteira.

Foi Thereza recebida com brandura por sua tia, posto que as
recommenda�es de Thadeu de Albuquerque eram clausura rigorosa, e
absoluta priva��o de meios de escrever a quem quer que fosse.

Ouviu a prelada da b�ca de sua sobrinha a fiel historia dos
acontecimentos, e mostrou-lhe uma a uma as cartas de Sim�o Botelho.
Choraram abra�adas; mas a prelada, enxugadas as lagrimas de mulher ao
fogo da austeridade religiosa, fallou e aconselhou como freira, e freira
que ciliciava o corpo com as rozetas, e o cora��o com as priva�es
tormentosas de quarenta annos.

Thereza carecia de for�as para a rebelli�o. Deixou a sua tia a santa
vaidade de exorcismar o demonio das paix�es, e deu um sorriso ao anjo da
morte, que, de permeio ao seu amor e � esperan�a, lhe interpunha a aza
negra, que t�o de luz refulgente rebrilha �s vezes em cora�es
infelizes.

Quiz Thereza escrever.

--A quem, minha filha?--perguntou a prelada.

N�o respondeu Thereza.

--Escrever-lhe para que?--tornou a religiosa--Cuidas tu, menina, que as
tuas cartas lhe chegam � m�o? Que vaes tu fazer sen�o redobrar a ira de
teu pae contra ti e contra o infeliz pr�so! Se o amas, como creio,
apesar de tudo, cuida em salval-o. Se n�o ouves a minha raz�o, finge-te
esquecida. Se p�des violentar a tua d�r, dissimula, faz muito por que a
teu pae chegue a noticia de que lhe ser�s obediente em tudo, se elle
tiver piedade do teu pobre amigo.

N�o recalcitrou Thereza. Deu outro sorriso ao anjo da morte, e pediu-lhe
que a envolvesse a ella, e ao seu amor, e � sua esperan�a, de todo, na
negrura de suas azas.

De mez a mez recebia a abbadessa de Monchique uma carta de seu primo.
Eram estas cartas um respiradouro da vingan�a. Em todas dizia o velho
que o assassino iria ao patibulo irremediavelmente. A sobrinha n�o via
as cartas; mas reparava nas lagrimas da compassiva freira.

A debil complei��o de Thereza deprecia acceleradamente. A sciencia
condemnou-a a morte breve. D'isto foi informado Thadeu de Albuquerque, e
respondeu: �Que a n�o desejava morta; mas, se Deus a levasse, morreria
mais tranquillo, e com a sua honra sem mancha.� Era assim immaculada a
honra do fidalgo de Vizeu!... a HONRA, que dizem proceder em linha recta
da virtude de Socrates, da virtude de Jesus Christo, e da virtude de
milh�es de martyres, que se deram �s garras das feras, quando predicavam
a caridade e o perd�o aos homens!

Quantas caricias inventou a sympathia e a piedade, todos, por ministerio
das religiosas exemplares de Monchique, aporfiaram em refrigerar o
ardor, que consumia rapidamente a reclusa. Inutil tudo. Thereza
reconhecia com lagrimas a compaix�o, e ao mesmo tempo alegrava-se,
tirando das caricias a certeza de que os m�dicos a julgavam incuravel.

Alguma freira inadvertida lhe disse um dia que uma sua amiga do convento
dos Remedios de Lamego lhe dissera que Sim�o tinha sido condemnado �
morte.

Thereza estremeceu e murmurou, sem for�as j� para a exclama��o:

--E eu vivo ainda!

Depois orou, e chorou; mas os habitos da sua vida em paroxismos
continuaram inalteraveis.

Perguntou � senhora, que lhe dera a noticia, se a sua amiga do convento
dos Remedios lhe faria a esmola de fazer chegar �s m�os de Sim�o uma
carta. Promptificou-se a freira, depois que ouviu o parecer da prelada.
Entendeu esta religiosa que o derradeiro colloquio entre dous moribundos
n�o podia damnifical-os na vida temporal nem na vida eterna.

Esta � a carta, que leu Sim�o, quinze dias depois do seu julgamento:

�Sim�o, meu esposo. Sei tudo... Est� comnosco a morte. Olha que te
escrevo sem lagrimas. A minha agonia come�ou ha sete mezes. Deus � bom,
que me poupou ao crime. Ouvi a noticia da tua proxima morte, e ent�o
soube por que estou morrendo hora a hora. Aqui est� o nosso fim,
Sim�o!.. Olha as nossas esperan�as! Quando tu me dizias os teus sonhos
de felicidade, e eu te dizia os meus!... Que mal fariam a Deus os nossos
innocentes desejos!... Porque n�o merecemos n�s o que tanta gente
tem!... Assim acabaria tudo, Sim�o? N�o posso cr�l-o! A eternidade
apresenta-se-me tenebrosa, porque a esperan�a era a luz, que me guiava
de ti para a f�. Mas n�o p�de findar assim o nosso destino. V� se podes
segurar o ultimo fio da tua vida a uma esperan�a qualquer. Ver-nos-hemos
n'um outro mundo, Sim�o? Terei eu merecido a Deus contemplar-te? Eu
rezo, suppl�co; mas desfalle�o na f�, quando me lembram as ultimas
agonias do teu martyrio. As minhas s�o suaves, quasi que as n�o sinto.
N�o deve custar a morte a quem tiver o cora��o tranquillo. O peor � a
saudade, saudade d'aquellas esperan�as que tu achavas no meu cora��o
adivinhando as tuas. N�o importa, se nada ha al�m d'esta vida. Ao menos,
morrer � esquecer. Se tu podesses viver agora, de que te serviria? Eu
tambem estou condemnada, e sem remedio. Segue-me, Sim�o! n�o tenhas
saudades da vida, n�o tenhas, ainda que a raz�o te diga que podias ser
feliz se me n�o tivesses encontrado no caminho por onde te levei �
morte... E que morte, meu Deus!... Aceita-a! n�o te arrependas. Se houve
crime, a justi�a de Deus te perdoar� pelas angustias que tens de soffrer
no carcere... e nos ultimos dias, e na presen�a da...�

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Books | Photos | Paul Mutton | Mon 22nd Dec 2025, 15:22