Amor de Perdição by Camillo Castello Branco


Main
- books.jibble.org



My Books
- IRC Hacks

Misc. Articles
- Meaning of Jibble
- M4 Su Doku
- Computer Scrapbooking
- Setting up Java
- Bootable Java
- Cookies in Java
- Dynamic Graphs
- Social Shakespeare

External Links
- Paul Mutton
- Jibble Photo Gallery
- Jibble Forums
- Google Landmarks
- Jibble Shop
- Free Books
- Intershot Ltd

books.jibble.org

Previous Page | Next Page

Page 47

Ent�o fui castigada pela segunda vez e asperamente.

O criado, que levou o jantar � cad�a, voltou com elle e contou-nos que
Sim�o j� tinha alguns moveis no seu quarto, e estava jantando com
exterior socegado. �quella hora todos os sinos de Vizeu estavam dobrando
a finados por alma de Balthazar.

Ao p� d'elle, disse o criado que estava uma formosa rapariga da aldeia,
triste e coberta de lagrimas. Apontando-a ao criado que a observava,
disse Sim�o:--A minha fam�lia � esta.

No dia seguinte, ao romper da manh�, partimos para Villa Real. A m�e
chorava sempre; o pae, encolerisado por isso, sahiu da liteira em que
vinha com ella, fez que eu passasse para o seu logar, e fez toda a
jornada na minha cavalgadura.

Logo que chegamos a Villa Real, eram t�o frequentes as desordens em
casa, � conta do Sim�o, que meu pae abandonou a familia, e foi s�sinho
para a quinta de Montezellos. A m�e quiz tambem abandonar-nos, e ir para
os primos de Lisboa, a fim de solicitar o livramento do mano. Mas o pae,
que fizera uma espantosa mudan�a de genio, quando tal soube, amea�ou
minha m�e de a obrigar judicialmente a n�o sahir da casa de seu marido e
filhas.

Escrevia a m�e a Sim�o, e n�o recebia resposta. Pensava ella que o filho
n�o respondia: annos depois vimos entre os papeis de meu pae todas as
cartas que ella escrev�ra. Ja se v� que o pae as fazia tirar no correio.

Uma senhora de Vizeu escreveu � m�e, louvando-a pelo muito amor e
caridade com que ella acudia �s necessidades de seu infeliz filho. Esta
carta foi-lhe entregue por um almocreve, sen�o teria o destino das
outras. Espantou-se minha m�e do conceito em que a tinha a sua amiga, e
confessou lhe que n�o o tinha soccorrido, porque o filho rejeit�ra o
pouco que ella quizera fazer em seu bem. A isto respondeu a senhora de
Vizeu que uma rapariga, filha d'um ferrador, estava vivendo nas
visinhan�as da cad�a, e cuidava do pr�so com abundancia e limpeza, e a
todos dizia que ali estava por ordem e � custa da senhora D. Rita
Preciosa. Accrescentava a amiga de minha m�e, que algumas vezes mand�ra
chamar a bella mo�a e lhe quizera dar alguns cosinhados mais exquisitos
para Sim�o, os quaes ella rejeitava, dizendo que o senhor Sim�o n�o
aceitava nada.

De tempos a tempos recebiamos estas novas, sempre tristes, porque, na
ausencia de meu pae, conspiraram, como era de esperar, quasi todas as
pessoas distinctas de Vizeu contra o meu desgra�ado irm�o.

A m�e escrevia aos seus parentes da capital, implorando gra�a regia para
o filho; mas aquellas cartas n�o sahiam do correio, e iam dar todas �
m�o de meu pae.

E que fazia este, entretanto, na quinta, sem familia, sem gloria, nem
recompensa alguma a tantas faltas? Rodeado de jornaleiros, cultivava
aquelle grande montado, onde ainda hoje por entre os tojos e urzes que
voltaram com o abandono, se podem v�r reliquias das c�pas plantadas por
elle. A m�e escrevia-lhe lastimando o filho; meu pae apenas respondia
que a justi�a n�o era uma brincadeira, e que na antiguidade os proprios
paes condemnavam os filhos criminosos.

Teve minha m�e a affoiteza de se lhe apresentar um dia, pedindo licen�a
para ir a Vizeu. Meu inexoravel pae negou-lh'a, e invectivou-a
furiosamente.

Passados sete mezes, soubemos que Sim�o tinha sido condemnado a morrer
na forca, levantada no local onde fizera a morte. Fecharam-se as
janellas por oito dias; vestimos todas de lucto, e minha m�e cahiu
doente.

Quando se isto soube em Villa Real, todas as pessoas illustres da terra
foram a Montezellos, a fim de obrigarem brandamente o pae a empregar o
seu valimento na salva��o do filho condemnado. De Lisboa vieram alguns
parentes protestar contra a infamia que tamanha ignominia faria recahir
sobre a familia. Meu pae a todos respondia com estas palavras: �A forca
n�o foi inventada somente para os que n�o sabem o nome do seu av�. A
ignominia das familias s�o as m�s ac�es. A justi�a n�o infama sen�o
aquelle que castiga.�

Tinhamos n�s um tio-av� muito velho e venerando, chamado Antonio da
Veiga. Foi este quem fez o milagre, e foi assim. Apresentou-se a meu pae
e disse-lhe: Guardou-me Deus a vida at� aos oitenta e tres annos.
Poderei viver mais dous ou tres? Isto nem j� � vida; mas foi-o, e
honrada, e sem mancha at� agora, e j� agora ha de assim acabar; meus
olhos n�o h�o de v�r a deshonra de sua familia. Domingos Botelho, ou tu
me promettes aqui de salvar teu filho da forca, ou eu na tua presen�a me
mato.--E dizendo isto, apontava ao pesco�o uma navalha de barba. Meu pae
teve-lhe m�o do bra�o, e disse que Sim�o n�o seria enforcado.

Previous Page | Next Page


Books | Photos | Paul Mutton | Mon 22nd Dec 2025, 6:56