Amor de Perdição by Camillo Castello Branco


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Page 32

Retirou-se para um canto escuro do sobrado, e meditou. Esteve meia hora
assim, e meditava angustiada a nobre rapariga. Depois ergueu-se de
golpe, e conversou longo tempo com o pae. Jo�o da Cruz escutou-a,
contrariou-a; mas ia de vencida sempre pelas replicas da filha; at� que,
a final, disse:

--Farei o que dizes, Marianna. D�-me c� o teu dinheiro, que n�o vou
agora levantar a pedra da lareira para bolir no caixote dos quatrocentos
mil reis. Tanto faz um como outro: teu � elle todo.

Marianna deu-se pressa em ir � arca, d'onde tirou uma bolsa de linho com
dinheiro em prata, e alguns cord�es, anneis e arrecadas. Guardou o seu
oiro n'uma boceta, e deu a bolsa ao pae.

Jo�o da Cruz apparelhou a egoa, e sahiu. Marianna foi para a sala do
doente.

Acordou Sim�o.

--N�o sabe!?--exclamou ella com semblante entre alegre e assustado,
perfeitamente contrafeito.

--Que �, Marianna?

--Sua m�esinha sabe que v. s.^a aqui est�.

--Sabe?! isso � impossivel! quem lh'o disse?

--N�o sei; o que sei � que ella mandou chamar meu pae.

--Isso espanta-me!... E n�o me escreveu?

--N�o, senhor!... Agora me lembro que talvez ella soubesse que o senhor
aqui esteve, e cuide que j� n�o est�, e por isso lhe n�o escreveu...
Poder� ser?

--Poder�; mas quem lh'o diria!? Se isto se sabe, ent�o podem suspeitar
da morte dos homens.

--P�de ser que n�o; e ainda que desconfiem, n�o ha testemunhas. O pae
disse que n�o tinha m�do nenhum. O que f�r, soar�. N�o esteja agora a
scismar n'isso... Vou-lhe buscar o caldinho, sim?

--V�, se quer, Marianna. O ceu deparou-me em si a amizade de uma irm�.

N�o achou a mo�a na sua alegre alma palavras em resposta � do�ura que o
rosto do mancebo exprimira.

Veio com o �caldinho� diminuitivo que a rhetorica d'uma linguagem meiga
approva; mas contra o qual protestava a larga e funda malga branca, a
par da travessa com meia gallinha loira de gorda.

--Tanta coisa!--exclamou, sorrindo, Sim�o.

--Coma o que pod�r--disse ella c�rando.--Eu bem sei que os senhores da
cidade n�o comem em malgas tamanhas, mas eu n�o tinha outra mais
pequena, e coma sem nojo, que esta nunca serviu, que a fui eu comprar �
loja, por pensar que v. s.^a n�o quizera hontem comer por se atrigar da
outra.

--N�o, Marianna, n�o seja injusta, eu n�o comi hontem pela mesma raz�o
que n�o c�mo agora: n�o tinha, nem tenho vontade.

--Mas coma por eu lhe pedir... Perd�e o meu atrevimento... Fa�a de conta
que � uma sua irm� que lhe pede. Ainda agora me disse...

--Que o ceu me dava em si a amizade d'uma irm�...

--Pois ahi est�...

Sim�o achou t�o necessario � sua conserva��o o sacrificio, como ao
contentamento da carinhosa Marianna. Passou-lhe na mente, sem sombra de
vaidade, a conjectura de que era amado d'aquella d�ce creatura. Entre si
disse que seria uma crueza mostrar-se conhecedor de tal affei��o, quando
n�o tinha alma para lh'a premiar, nem para lhe mentir. Assim mesmo, bem
longe de se affligir, lisongeavam-o os desvelos da gentil mo�a. Ninguem
sente em si o p�so do amor que inspira e n�o comparte. Nas maximas
afflic�es, nas derradeiras horas do cora��o e da vida, � grato ainda
sentir-se amado quem j� n�o p�de achar no amor divers�o das penas, nem
soldar o ultimo fio que se est� partindo. Orgulho ou insaciabilidade do
cora��o humano, seja o que f�r, no amor, que nos d�o, � que n�s
graduamos o que valemos em nossa consciencia.

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Books | Photos | Paul Mutton | Sun 21st Dec 2025, 0:41