Amor de Perdição by Camillo Castello Branco


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Page 31

--Pois fallaremos: pensa tu no modo de elle aceitar sem _remorsos_.

Remorsos, na linguagem pouco castigada de mestre Jo�o, era synonimo de
_escrupulos_ ou _repugnancia_.

Foi Marianna levar o caldo a Sim�o, que lh'o rejeitou como distrahido em
profundo scismar.

--Pois n�o toma o caldinho?--disse ella com tristeza.

--N�o posso, n�o tenho vontade, menina; ser� logo. Deixe-me s�sinho
algum tempo; v�, v�; n�o passe o seu tempo ao p� d'um doente aborrecido.

--N�o me quer aqui? irei, e voltarei quando v. s.^a chamar.

Dissera isto Marianna com os olhos a reverem lagrimas.

Sim�o notou as lagrimas, e pensou um momento na dedica��o da m��a; mas
n�o lhe disse palavra alguma.

E ficou pensando na sua espinhosa situa��o. Deviam de occorrer-lhe
ideias afflictivas, que os romancistas raras vezes attribuem aos seus
heroes. No romance todas as crises se explicam, menos a crise ignobil da
falta de dinheiro. Entendem os novellistas que a materia � baixa e
plebea. O estylo vai de m� vontade para coisas razas. Balzac falla muito
em dinheiro; mas dinheiro a milh�es: n�o conhe�o, nos cincoenta livros
que tenho d'elle, um gal� n'um entre-acto da sua tragedia a scismar no
modo de arranjar uma quantia com que pague ao alfaiate, ou se
desembarace das r�des que um usurario lhe lan�a, desde a casa do juiz de
paz a todas as esquinas, d'onde o assaltam o capital e juro de oitenta
por cento. D'isto � que os mestres em romances se escapam sempre. Bem
sabem elles que o interesse do leitor se gela a passo igual que o heroe
se encolhe nas propor�es d'estes heroesinhos de botequim, de quem o
leitor dinheiroso foge por instincto, e o outro foge tambem, porque n�o
tem que fazer com elle. A coisa � vilmente prosaica, de todo o meu
cora��o o confesso. N�o � bonito o deixar a gente vulgarisar-se o seu
heroe a ponto de pensar na falta de dinheiro, um momento depois que
escreveu � mulher estremecida uma carta, como aquella de Sim�o Botelho.
Quem a l�sse diria que o rapaz tinha postadas, em differentes esta�es
das estradas do paiz, carro�as e folgadas parelhas de mulas, para
transportarem a Paris, a Veneza, ou ao Jap�o a bella fugitiva! As
estradas, n'aquelle tempo, deviam ser boas para isso; mas n�o tenho a
certeza de que houvessem estradas para o Jap�o. Agora creio que ha,
porque me dizem que ha tudo.

Pois eu j� lhes fiz saber, leitores, pela b�ca de mestre Jo�o, que o
filho do corregedor n�o tinha dinheiro. Agora lhes digo que era em
dinheiro que elle scismava quando Marianna lhe trouxe o caldo rejeitado.

A meu v�r, deviam attribulal-o estes pensamentos:

Como pagaria a hospitalidade de Jo�o da Cruz?

Com que agradeceria os desvelos de Marianna?

Se Thereza fugisse, com que recursos proveria � subsistencia de ambos!

Ora, Sim�o Botelho sahira de Coimbra com a sua mesada, que n�o era
grande, e quasi lh'a absorv�ra o aluguel da cavalgadura, e a groseta
generosa que d�ra ao arreeiro, a quem devia o conhecimento do prestante
ferrador.

As reliquias d'esse dinheiro d�ra-as elle � portadora da carta n'aquelle
dia. M� situa��o!

Lembrou-se de escrever � m�e. Que lhe diria elle? Como explicaria a sua
residencia n'aquella casa? D'este modo n�o iria elle dar indicios da
morte mysteriosa dos dois criados de Balthazar Coutinho?

Al�m de que, sobejamente sabia elle que sua m�e o n�o amava; e, a
mandar-lhe algum dinheiro em segredo, seria escassamente o necessario
para a jornada at� Coimbra. P�ssima situa��o!

Cansado de pensar, favoreceu-o a providencia dos infelizes com um somno
profundo.

E Marianna entr�ra p� ante p� na sala, e ouvindo-lhe a respira��o alta,
aventurou-se a entrar na alcova. Lan�ou-lhe um len�o de cassa sobre o
rosto, em roda do qual zumbia um enxame de moscas. Viu a carteira sobre
uma banqueta que adornava o quarto, pegou d'ella, e sahiu p� ante p�.
Abriu a carteira, viu papeis, que n�o soube l�r, e n'um dos
repartimentos duas moedas de seis vintens. Foi restituir a carteira ao
seu logar, e tomou d'um cabide as cal�as, coll�te, e jaqueta �
hespanhola, do hospede. Examinou os bolsos, e n�o encontrou um ceitil.

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Books | Photos | Paul Mutton | Sat 20th Dec 2025, 8:03