Amor de Perdição by Camillo Castello Branco


Main
- books.jibble.org



My Books
- IRC Hacks

Misc. Articles
- Meaning of Jibble
- M4 Su Doku
- Computer Scrapbooking
- Setting up Java
- Bootable Java
- Cookies in Java
- Dynamic Graphs
- Social Shakespeare

External Links
- Paul Mutton
- Jibble Photo Gallery
- Jibble Forums
- Google Landmarks
- Jibble Shop
- Free Books
- Intershot Ltd

books.jibble.org

Previous Page | Next Page

Page 28

Quando a prelada lhe disse que podia deitar-se querendo, perguntou-lhe a
menina se poderia escrever a seu pae. A freira respondeu que no dia
seguinte o faria, posto que o senhor Albuquerque ordenasse que sua filha
n�o escrevesse: assim mesmo, ajuntou ella, que lh'o n�o prohibiria, se
tivesse tinteiro e papel na cella.

Thereza deitou-se, e a prelada ajoelhou diante d'um oratorio, rezando a
cor�a a meia voz. Se o murmurio da ora��o infadasse a hospeda, n�o teria
ella muita raz�o de queixa, por que a devota monja ao segundo
_Padre-Nosso_ cabeceava de modo que j� n�o atinou com a primeira
_�ve-Maria_. Levantou-se, cambaleando uma mesura �s imagens do
sanctuario, foi deitar-se, e pegou a ressonar.

Thereza afastou subtilmente as cortinas do seu quarto, e tirou de entre
o seu fato o tinteiro de tarraxa e o papel.

A lampada do oratorio lan�ava um froixo raio sobre a cadeira, em que
Thereza pozera os seus vestidos. Desceu da cama, ajoelhou ao p� da
cadeira, e escreveu a Sim�o, relatando-lhe miudamente os successos
d'aquelle dia. A carta rematava assim:

�N�o receies nada por mim, Sim�o. Todos estes trabalhos me parecem
leves, se os comparo ao que tens padecido por amor de mim. A desgra�a
n�o abala a minha firmeza, nem deve intimidar os teus projectos. S�o
alguns dias de tempestade, e mais nada. Qualquer nova resolu��o que meu
pae tome, dir-t'a-hei logo podendo, ou quando pod�r. A falta das minhas
noticias deves attribuil-a sempre ao impossivel. Ama-me assim
desgra�ada, porque me parece que os desgra�ados s�o os que mais precisam
de amor e de conforto. Vou v�r se posso esquecer-me dormindo. Como isto
� triste, meu querido amigo!... Adeus.�




VIII.


Marianna, a filha de Jo�o da Cruz, quando viu seu pae pensar a chaga do
bra�o de Sim�o, perdeu os sentidos. O ferrador riu estrondosamente da
fraqueza da mo�a, e o academico achou estranha sensibilidade em mulher
affeita a curar as feridas com que seu pae vinha laureado de todas as
feiras e romarias.

--N�o ha ainda um anno que me fizeram tres buracos na cabe�a, quando eu
fui � Senhora dos Remedios a Lamego, e foi ella que me tosqueou e rapou
o casco � navalha--disse o ferrador.--Pelo que vejo o sangue do fidalgo
deu volta ao estomago da rapariga!... Estamos ent�o bem aviados! Eu
tenho c� a minha vida, e queria que ella fosse a enfermeira do meu
doente.... �s ou n�o �s, rapariga?--disse elle � filha, quando ella
abriu os olhos, com rosto de corrida da sua fraqueza.

--Serei com muito gosto, se o pae quizer.

--Pois ent�o, mo�a, se h�s de ir costurar para a varanda, vem aqui para
a beira do senhor Sim�o. D�-lhe caldos a miudo; e trata-lhe da ferida;
vinagre e mais vinagre, quando ella estiver assim a modo de roixa.
Conversa com elle, n�o o deixes estar a malucar, nem escrever muito, que
n�o � bom quando se est� fraco do mi�lo. E v. s.^a n�o tenha aquellas de
ceremonia, nem me diga a Marianna--a menina isto, a menina aquillo.
�--rapariga d� c� um caldo; rapariga, lava-me o bra�o, d� c� as
compressas--e nada de politicas. Ella est� aqui como sua criada, porque
eu j� lhe disse que, se n�o fosse o pae de v. s.^a, j� ella ha muito
tempo que andava por ahi �s esmolas, ou peor ainda. � verdade que eu
podia deixar-lhe uns bensinhos, ganhos alli a suar na bigorna ha dez
annos, af�ra uns quatrocentos mil reis que herdei de minha m�e, que Deus
haja; mas v. s.^a bem sabe que, se eu fosse � forca ou pela barra f�ra,
vinha a justi�a, e tomava conta de tudo para as custas.

--Se vocemec� tem uma casinha soffrivel--atalhou Sim�o--p�de, querendo,
casar a sua filha n'uma boa casa de lavoira.

--Assim ella quizesse. Maridos n�o lhe faltam; at� o alferes da igreja a
queria, se eu lhe fizesse doa��o de tudo, que pouco �, mas ainda vale
quatro mil cruzados bons; o caso � que a mo�a n�o tem querido casar, e
eu, a fallar a verdade, sou s� e mais ella, e tambem n�o tenho grande
vontade de ficar sem esta companhia, para quem trabalho como moiro. Se
n�o fosse ella, fidalgo, muita asneira tinha eu feito! Quando vou �s
feiras ou romarias, se a levo comigo, n�o bato, nem apanho; indo
s�sinho, � desordem certa. A rapariga j� conhece quando a pinga me sobe
ao capacete do alambique, pucha-me pela jaqueta, e por bons modos p�e-me
f�ra do arraial. Se alguem me chama para beber mais um quartilho, ella
n�o me deixa ir, e eu acho gra�a � obediencia com que me deixo guiar
pela mo�a, que me pede que n�o v� por alma da m�e. Eu c�, em ella me
pedindo por alma da minha santa mulher, j� n�o sei de que freguezia sou.

Previous Page | Next Page


Books | Photos | Paul Mutton | Sat 20th Dec 2025, 2:24