Amor de Perdição by Camillo Castello Branco


Main
- books.jibble.org



My Books
- IRC Hacks

Misc. Articles
- Meaning of Jibble
- M4 Su Doku
- Computer Scrapbooking
- Setting up Java
- Bootable Java
- Cookies in Java
- Dynamic Graphs
- Social Shakespeare

External Links
- Paul Mutton
- Jibble Photo Gallery
- Jibble Forums
- Google Landmarks
- Jibble Shop
- Free Books
- Intershot Ltd

books.jibble.org

Previous Page | Next Page

Page 13

No dia seguinte chegou o academico a casa do ferrador. O arreeiro deu
conta ao seu parente do que vinha tratado com o estudante.

Foi Sim�o Botelho cautelosamente hospedado, e o arreeiro abalou no mesmo
ponto para Vizeu, com uma carta destinada a uma mendiga, que morava no
mais impraticavel b�cco da terra. A mendiga informou-se miudamente da
pessoa que enviava a carta, e sahiu, mandando esperar o caminheiro.
Pouco depois, voltou ella com a resposta, e o arreeiro partiu a galope.

Era a resposta um grito de alegria. Thereza n�o reflectiu, respondendo a
Sim�o, que n'aquella noite se festejavam os annos de seu pae, e se
reuniam em casa os parentes. Disse-lhe que �s onze horas em ponto ella
iria ao quintal, e lhe abriria a porta.

N�o esperava tanto o academico. O que elle pedia era fallar-lhe da rua
para a janella do seu quarto, e receava impossivel este prazer, que elle
avaliava o maximo. Apertar-lhe a m�o, sentir-lhe o halito, abra�al-a
talvez, commetter a ousadia de um beijo, estas esperan�as, t�o al�m de
suas modestas e honestas ambi�es, egualmente o enlevavam e assustavam.
Enlevo e susto em cora�es que se estreiam na comedia humana, s�o
sentimentos congeniaes.

� hora da partida, Sim�o tremia, e a si mesmo pedia contas da timidez,
sem saber que os encantos da vida, os mais angelicos momentos da alma,
s�o esses lances de mysterioso alvoro�o que aos mais ricos de cora��o
succedem em todas as sas�es da vida, e a todos os homens, uma vez ao
menos.

�s onze horas em ponto estava Sim�o encostado � porta do quintal, e a
distancia convencionada o arreeiro com o cavallo � r�dea. A toada da
musica, que vinha das salas remotas alvoro�ava-o, porque a festa em casa
de Thadeu de Albuquerque o surprend�ra. No longo termo de tres annos
nunca elle ouvira musica n'aquella casa. Se elle soubesse o dia
natalicio de Thereza, espant�ra-se menos da estranha alegria d'aquellas
salas, sempre fechadas, como em dias de mortuorio. Sim�o imaginou
desvairadaraente as chimeras que voejam, ora negras, ora translucidas em
redor da phantasia apaixonada. N�o ha balisa racional para as bellas,
nem para as horrorosas ilus�es, quando o amor as inventa. Sim�o Botelho,
com o ouvido collado � fechadura, ouvia apenas o som das flautas, e as
pancadas do cora��o sobresaltado.




V


Balthazar Cominho estava na sala, simulando vingativa indifferen�a por
sua prima. As irm�s do fidalgo e a de mais parentela da casa n�o
deixavam respirar Thereza. Mo�as e velhas, todas � uma, se repetiam,
aconselhando-a a reconciliar-se com seu primo, e dar a seu pae a alegria
que o pobre velho tanto rogava a Deus, antes de fechar os olhos.
Replicava Thereza que n�o queria mal a seu primo, nem sequer eslava
sentida d'elle; que era sua amiga, e s�l-o-ia sempre em quanto lhe elle
deixasse livre o cora��o.

O velho esperava muito d'aquella noitada de festa. Alguns parentes,
presumidos de prudentes, lhe tinham dito que seria proveitoso regalar a
filha com os prazeres congruentes � sua idade, dando-lhe ensejo a que
ella repartisse o espirito, concentrado n'um s� ponto, por divers�es em
que a natural vaidade se preoccupa, e a for�a do amor contrariado se vai
a pouco e pouco quebrantando. Aconselharam-lhe as reuni�es amiudadas, j�
em sua casa, j� na dos seus parentes, para d'este modo Thereza se
mostrar a muitos, ser cortejada de todos, e ter em opini�o de menos
valia o unico homem com quem fallava, e a quem julgava superior a todos.
O fidalgo accedeu, mas com difficuldade; porque tinha l� um systema seu
de ajuizar das mulheres, e porque viv�ra trinta annos de vida libertina
e dispendiosa, e se estava agora saboreando na economia e na quieta��o.
Os annos de Thereza eram pela primeira vez festejados com estrondo. A
morgada viu ent�o o que era o minuete da c�rte, e certos jogos de
prendas com que os intervallos n'aquelles tempos, se aligeiravam em
delicias, sem fadiga do corpo, nem desagrado da moral.

Mas, de agitada que estava, Thereza n�o compartia do g�so dos seus
hospedes. Desde que soaram as dez horas d'aquella noite, a rainha da
festa parecia t�o alheada das finezas com que senhoras e homens �
compet�ncia a lisonjeavam, que Balthazar Coutinho deu f� do dessoc�go de
sua prima, e teve a modestia de imaginar que ella se offend�ra da
indifferen�a d'elle. Generoso at� ao perd�o, o morgado de Castro-d'Aire,
compondo o rosto com gesto grave e melancolico, dirigiu-se a Thereza, e
pediu-lhe desculpa da frieza que elle disse ser como a das montanhas,
que tem vulc�es por dentro e neve por f�ra. Thereza teve a sinceridade
de responder que n�o tinha reparado na frieza de seu primo, e chamou
para junto d'ella uma menina, para evitar que a montanha se abrisse em
vulc�es. Pouco depois ergueu-se, e sahiu da sala.

Previous Page | Next Page


Books | Photos | Paul Mutton | Tue 16th Dec 2025, 17:13