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Page 9
Ao bater do meio dia, entrava na minha tina de marmore c�r de rosa, onde
os perfumes derramados davam � agua um tom opaco de leite: depo�s pagens
tenros, de m�o macia, fr�ccionavam-me com o ceremonial de quem celebra
um culto: e embrulhado n'um _robe-de-chambre_ de s�da da India, atrav�s
da galeria, dando aqui e al�m um olhar aos meus Fortunys e aos meus
Corots, entre alas silenciosas de lacaios, dirigia-me ao bife � ingleza,
servido em S�vres, azul e oiro.
O resto da manh�, se havia calor, passava-o sobre coxins de setim c�r de
perola, n'um _boudoir_ em que a mobilia era de porcelana fina de Dresde
e as fl�res faziam um jardim d'Armida; ahi, saboreava o Diario de
Noticiais, em quanto lindas raparigas vestidas � japoneza refrescavam o
ar, agitando leques de plumas.
De tarde ia dar uma volta a p�, at� ao Pote das Almas: era a hora mais
pesada do dia: encostado � bengala, arrastando as pernas molles, abria
bocejos de fera saciada,---e a turba abjecta parava a contemplar, em
extasis, o Nababo enfastiado!
�s vezes vinha-me como uma saudade dos meus tempos occupados da
Reparti��o. Entrava em casa; e encerrado na livraria, onde o Pensamento
da Humanidade repousava esquecido e encadernado em marroquim, aparava
uma penna de pato, e ficava horas lan�ando sobre folhas do meu querido
Tojal d'outr'ora: �_Ill.^mo e Exc.^mo Snr.--Tenho a honra de participar
a V. Exc.�... Tenho a honra de passar �s m�os de V. Exc.�!..._�.
Ao come�o da noite um criado, para annunciar o jantar, fazia soar pelos
corredores na sua tuba de prata, � moda gothica, uma harmonia solemne.
Eu erguia-me e ia comer, magestoso e solitario. Uma popula�a de lacaios,
de libr�s de s�da negra, servia, n'um silencio de sombras que resvalam,
as vitualhas raras, vinhos do pre�o de joias: toda a mesa era um
esplendor de fl�res, luzes, crystaes, scintilla�es d'oiro:--e
enrolando-se pelas pyramides de fructos, misturando-se ao vapor dos
pratos, errava, como uma nevoa subtil, um tedio inenarravel...
Depois, apopletico, atirava-me para o fundo do coup�--e l� ia �s
Janellas Verdes onde nutria, n'um jardim de serralho, entre requintes
musulmanos, um viveiro de f�meas: revestiam-me d'uma tunica de s�da
fresca e perfumada,--e eu abandonava-me a delirios abominaveis...
Traziam-me semi-morto para casa, ao primeiro alvor da manh�: fazia
machinalmente o meu signal da cruz, e d'ahi a pouco roncava de ventre ao
ar, livido e com um suor frio, como um Tiberio exhausto.
* * * * *
Entretanto Lisboa rojava-se aos meus p�s. O pateo do palacete estava
constantemente invadido por uma turba: olhando-a enfastiado das janellas
da galeria, eu via l� branquejar os peitilhos da Aristocracia, negrejar
a sotaina do Clero, e luz�r o suor da Plebe: todos vinham supplicar, de
labio abjecto, a honra do meu sorriso e uma participa��o no meu oiro. �s
vezes, consentia em receber algum velho de titulo historico:--elle
adiantava-se pela sala, quasi ro�ando o tapete com os cabellos brancos,
tartamudeando adula�es; e immediatamente, espalmando sobre o peito a
m�o de fortes v�as onde corria um sangue de tres seculos, offerecia-me
uma filha bem-amada para esposa ou para concubina.
Todos os cidad�os me traziam presentes como a um Idolo sobre o
altar--uns Odes votivas, outros o meu monogramma bordado a cabello,
alguns chinelas ou boquilhas, cada um a sua consciencia. Se o meu olhar
amortecido fixava, por acaso, na rua, uma mulher--era logo ao outro dia
uma carta em que a creatura, esposa ou prostituta, me offertava a sua
nudez, o seu amor, e todas as complacencias da lascivia.
Os jornalistas esporeavam a imagina��o para achar adjectivos dignos da
minha grandeza; fui o _sublime snr. Theodoro_, cheguei a ser o _celeste
snr. Theodoro_; ent�o, desvairada, a Gazeta das Locaes chamou-me o
_extra-celeste snr. Theodoro_! Diante de mim nenhuma cabe�a ficou j�mais
coberta--ou usasse a cor�a ou o c�co. Todos os dias me era offerecida
uma Presidencia de Ministerio ou uma Direc��o de Confraria. Recusei
sempre, com nojo.
Pouco a pouco o rumor das minhas riquezas foi passando os confins da
Monarchia. O Figaro, cortez�o, em cada numero fallou de mim,
preferindo-me a Henrique V; o grotesco immortal, que assigna
_Saint-Genest_, dirigiu-me apostrophes convulsivas, pedindo-me para
salvar a Fran�a; e foi ent�o que as Illustra�es estrangeiras
publicaram, a c�res, as scenas do meu viver. Recebi de todas as
princezas da Europa enveloppes, com s�llos heraldicos, expondo-me, por
photographias, por documentos, a f�rma dos seus corpos e a antiguidade
das suas genealogias. Duas pilherias que soltei durante esse anno foram
telegraphadas ao Universo pelos fios da Agencia Havas; e fui considerado
mais espirituoso que Voltaire, que Rochefort, e que esse fino
entendimento que se chama _Todo-o-Mundo_. Quando o meu intestino se
alliviava com estampido--a Humanidade sabia-o pelas gazetas. Fiz
emprestimos aos Reis, subsidiei guerras civis--e fui caloteado por todas
as Republicas latinas que orlaram o golfo do Mexico.
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