O Mandarim by Eça Queirós


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Page 7

Encarei com repuls�o aquelle reles peda�o de materia organisada--que
fallava em placas de prata a um colosso d'oiro! Enterrei a m�o na
algibeira ajoujada de milh�es, e tirei o meu metal: tinha setecentos e
vinte!

O cocheiro bateu a anca da egoa e seguiu, resmungando. Eu balbuciei:

--Mas tenho letras!... Aqui est�o! Sobre Londres! Sobre Hamburgo!...

--N�o p�ga.

Setecentos e vinte!... E touros, jantar de lord, andaluzas nuas, todo
esse sonho expirou como uma bola de sab�o que bate a ponta de um prego.

Odiei a Humanidade, abominei o Numerario. Outra tipoia, lan�ada a trote,
apinhada de gente festiva, quasi me atropellou n'aquella abstrac��o em
que eu fic�ra com os meus setecentos e vinte na palma da m�o suada.

Cabisbaixo, enchuma�ado de milh�es sobre Rothschild, voltei ao meu
quarto andar; humilhei-me � Madame Marques, aceitei-lhe o bife corneo; e
passei essa primeira noite de riqueza, bocejando sobre o leito
solitario,--em quanto f�ra o alegre Couceiro, o mesquinho tenente de
quinze mil reis de soldo, ria com a D. Augusta, repenicando � viola o
_Fado da Cotovia_.

* * * * *

Foi s� na manh� seguinte, ao fazer a barba, que reflecti sobre a origem
dos meus milh�es. Ella era evidentemente sobrenatural e suspeita.

Mas como o meu Racionalismo me impedia d'attribuir estes thesouros
imprevistos � generosidade caprichosa de Deus ou do Diabo, fic�es
puramente escolasticas; como os fragmentos de Positivismo, que
constituem o fundo da minha Philosophia, n�o me permittiam a indaga��o
_das causas primarias, das origens essenciaes_--bem depressa me decidi a
aceitar seccamente este Phenomeno; e a utilisal-o com largueza. Portanto
corri de quinzena ao vento para o _London Braz�lian Bank_...

Ahi, arremessei para cima do balc�o um papel sobre o _Banco
d'Inglaterra_, de mil libras; e soltei esta deliciosa palavra:

--Oiro!

Um caixeiro suggeriu-me com do�ura:

--Talvez lho fosse mais commodo em notas...

Repeti seccamente:

--Oiro!

Atulhei as algibeiras, devagar, aos punhados: e na rua, ajoujado,
icei-me para uma caleche. Sent�a-me gordo, sentia-me obeso; tinha na
bocca um sabor d'oiro, uma seccura de p� d'oiro na pelle das m�os: as
paredes das casas pareciam-me faiscar como longas laminas d'oiro: e
dentro do cerebro ia-me um rumor surdo onde retilintavam metaes--como o
movimento d'um oceano que nas vagas rolasse barras d'oiro.

Abandonando-me � oscilla��o das molas, rebolante como um odre mal firme,
deixava cahir sobre a rua, sobre a gente, o olhar turvo e tedioso do s�r
repleto. Emfim, atirando o chap�o para a nuca, estirando a perna,
empinando o ventre, arrotei formidavelmente de flatulencia rica�a...

Muito tempo rolei assim pela cidade, bestialisado n'um gozo de Nababo.

Subitamente um brusco appetite de gastar, de dissipar oiro, veio-me
enfunar o peito corno uma rajada que incha uma v�la.

--P�ra, animal!--berrei, ao cocheiro.

A parelha estacou. Procurei em redor com a palpebra meio cerrada alguma
coisa cara a comprar--joia de rainha ou consciencia de estadista: nada
vi; precipitei-me ent�o para um estanco.

--Charutos! de tost�o! de cruzado! Mais caros! de dez tost�es!

--Quantos?--perguntou servilmente o homem.

--Todos!--respondi, com brutalidade.

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Books | Photos | Paul Mutton | Fri 10th Jan 2025, 7:32