O Mandarim by Eça Queirós


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Page 6

E elle, gritando mais, brandindo o _enveloppe_, todo al�ado no bico dos
botins:

--S�o cento e seis mil contos, senhor! Cento e seis mil contos sobre
Londres, Paris, Hamburgo e Amsterdam, sacados a seu favor,
excellentissimo senhor!... A seu favor, excellentissimo senhor! Pelas
casas de Hong-Kong, de Chang-Hai e de Cant�o, da heran�a depositada do
Mandarim Ti-Chin-F�!!

Senti tremer o Globo sob os meus p�s--e cerrei um momento os olhos. Mas
comprehendi, n'um relance, que eu era, desde essa hora, como uma
incarna��o do Sobrenatural, recebendo d'elle a minha for�a e possuindo
os seus attributos. N�o podia comportar-me como um homem, nem
desconsiderar-me em expans�es humanas. At�, para n�o quebrar a linha
hieratica--abstive-me de ir solu�ar, como m'o pedia a alma, sobre o
vasto seio da Madame Marques...

D'ora em diante cabia-me a impassibilidade d'um Deus--ou d'um Demonio:
dei, com naturalidade, um pux�o �s cal�as, e disse a Silvestre, Juliano
& C.� estas palavras:

--Est� bem! O Mandarim... Esse Mandarim que disse portou-se com
cavalheirismo. Eu sei de que se trata. � uma quest�o de familia. Deixe
ahi os papeis... Bons dias.

Silvestre, Juliano & C.� retirou-se, �s arrecuas, de dorso vergado e
fronte voltada ao ch�o.

Eu ent�o fui abrir, toda larga, a janella: e, dobrando para traz a
cabe�a, respirei o ar calido, consoladamente, como uma cor�a can�ada...

Depois olhei para baixo, para a rua, onde toda uma burguezia se escoava,
n'uma pacata sahida de missa, entre duas filas de trens. Fixei, aqui e
al�m, inconscientemente, algumas cuias de senhoras, alguns metaes
brilhantes d'arreios. E de repente, veio-me esta id�a, esta triumphante
certeza--que todas aquellas tipoias as podia eu tomar � hora ou ao anno!
Que nenhuma das mulheres que via, deixaria de me offerecer o seu seio
n�, a um aceno do meu desejo! Que todos esses homens, de sobrecasaca de
domingo, se prostrariam diante de mim como diante de um Christo, de um
Mahomet ou de um Buddha, se eu lhes sacudisse junto � face cento e seis
mil contos sobre as pra�as da Europa!...

Apoiei-me � varanda: e ri, com tedio, vendo a agita��o ephemera
d'aquella humanidade subalterna--que se considerava livre e forte, em
quanto por cima, n'uma sacada de quarto andar, eu tinha na m�o, n'um
_enveloppe_ lacrado de negro, o principio mesmo da sua fraqueza e da sua
escravid�o!... Ent�o, satisfa�es do Luxo, regalos do Amor, orgulhos do
Poder, tudo gozei, pela imagina��o, n'um instante, e d'um s� s�rvo. Mas
logo, uma grande saciedade me foi invadindo a alma: e sentindo o mundo
aos meus p�s--bocejei como um le�o farto.

De que me serviam por fim tantos milh�es, sen�o para me trazerem, dia a
dia, a affirma��o desoladora da villeza humana?... E assim, ao choque de
tanto oiro, ia desapparecer aos meus olhos como um fumo a belleza moral
do Universo! Tomou-me uma tristeza mystica. Abati-me sobre uma cadeira;
e, com a face entre as m�os, chorei abundantemente.

D'ahi a pouco a Madame Marques abria a porta, toda vistosa nas suas
s�das pretas.

--Est�-se � sua espera para jantar, engui�o!...

Emergi da minha amargura para lhe responder seccamente:

--N�o janto.

--Mais fica!

N'esse momento estalavam foguetes ao longe. Lembrei-me que era domingo,
dia de touros: de repente uma vis�o rebrilhou, flammejou, attrahindo-me
deliciosamente:--era a tourada vista d'um camarote; depois um jantar com
_Champagne_; � noite a orgia, como uma inicia��o! Corri � mesa. Atulhei
as algibeiras de letras sobre Londres. Desci � rua com um furor d'abutre
fendendo o ar contra a presa. Uma caleche passava, vazia. Detive-a,
berrei:

--Aos touros!

--S�o dez tost�es, meu amo!

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Books | Photos | Paul Mutton | Fri 10th Jan 2025, 1:20