O Mandarim by Eça Queirós


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Page 4

--Que me diz a cento e cinco, ou cento e seis mil contos? Bem sei, � uma
bagatella... Mas emfim, constituem um come�o; s�o uma ligeira
habilita��o para conquistar a felicidade. Agora pondere estes factos: o
Mandarim, esse Mandarim do fundo da China, est� decrepito e est�
gottoso: como homem, como funccionario do celeste imperio, � mais inutil
em Pekin e na humanidade, que um seixo na bocca d'um c�o esfomeado. Mas
a transforma��o da substancia existe: garanto-lh'a eu, que sei o segredo
das coisas... Porque a terra � assim: recolhe aqui um homem apodrecido,
e restitue-o al�m ao conjuncto das f�rmas como vegetal vi�oso. Bem p�de
ser que elle, inutil como Mandarim no Imperio do Meio, v� ser util
n'outra terra como rosa perfumada ou saboroso rep�lho. Matar, meu filho,
� quasi sempre equilibrar as necessidades universaes. � eliminar aqui a
excrescencia para ir al�m supprir a falta. Penetre-se d'estas solidas
philosophias. Uma pobre costureira de Londres anceia por v�r florir, na
sua trapeira, um vaso cheio de terra negra: uma fl�r consolaria aquella
desherdada; mas na disposi��o dos s�res, infelizmente, n'esse momento, a
substancia que l� devia ser rosa � aqui na Baixa homem d'Estado... Vem
ent�o o fadista de navalha aberta, e fende o estadista; o enxurro
leva-lhe os intestinos; enterram-no, com tipoias atraz; a materia come�a
a desorganisar-se, mistura-se � vasta evolu��o dos atomos--e o superfluo
homem de governo vai alegrar, sob a f�rma de amor perfeito, a agua
furtada da loura costureira. O assassino � um philanthropo! Deixe-me
resumir, Theodoro: a morte d'esse velho Mandarim idiota traz-lhe �
algibeira alguns milhares de contos. P�de desde esse momento dar
pontap�s nos poderes publicos: medite na intensidade d'este gozo! �
desde logo citado nos jornaes: reveja-se n'esse maximo da gloria humana!
E agora note: � s� agarrar a campainha, e fazer _ti-li-tin._ Eu n�o sou
um barbaro: comprehendo a repugnancia d'um _gentleman_ em assassinar um
contemporaneo: o espirrar do sangue suja vergonhosamente os punhos, e �
repulsivo o agonisar d'um corpo humano. Mas aqui, nenhum d'esses
espectaculos torpes... � como quem chama um criado... E s�o cento e
cinco ou cento e seis mil contos; n�o me lembro, mas tenho-o nos meus
apontamentos... O Theodoro n�o duv�da de mim. Sou um
cavalheiro:--provei-o, quando, fazendo a guerra a um tyranno na primeira
insurrei��o da justi�a, me vi precipitado d'alturas que nem Vossa
Senhoria concebe... Um trambulh�o consideravel, meu caro senhor! Grandes
desgostos! O que me consola � que o OUTRO est� tambem muito abalado:
porque, meu amigo, quando um Jehovah tem apenas contra si um Satanaz,
tira-se bem de difficuldades mandando carregar mais uma legi�o
d'archanjos; mas quando o inimigo � o homem, armado d'uma penna de pato
e d'um caderno de papel branco--est� perdido... Emfim s�o seis mil
contos. Vamos, Theodoro, ahi tem a campainha, seja um homem.

Eu sei o que deve a si mesmo um christ�o. Se este personagem me tivesse
levado ao cume d'uma montanha na Palestina, por uma noite de lua cheia,
e ahi, mostrando-me cidades, ra�as e imperios adormecidos, sombriamente
me dissesse:--�Mata o Mandarim, e tudo o que v�s em valle e collina ser�
teu�,--eu saberia replicar-lhe, seguindo um exemplo illustre, e erguendo
o dedo �s profundidades constelladas:--�O meu reino n�o � d'este mundo!�
Eu conhe�o os meus authores. Mas eram cento e tantos mil contos,
offerecidos � luz d'uma vela de stearina, na travessa da Concei��o, por
um sujeito de chap�o alto, apoiado a um guarda-chuva...

Ent�o n�o hesitei. E, de m�o firme, repeniquei a campainha. Foi talvez
uma illus�o; mas pareceu-me que um sino, de bocca t�o vasta como o mesmo
c�o, badalava na escurid�o, atrav�s do Universo, n'um tom temeroso que
decerto foi acordar s�es que faziam n�-n� e planetas pan�udos resonando
sobre os seus eixos...

O individuo levou um dedo � palpebra, e limpando a lagrima que ennevo�ra
um instante o seu olho rutilante:

--Pobre Ti-Chin-F�!...

--Morreu?

--Estava no seu jardim, socegado, armando, para o lan�ar ao ar, um
papagaio de papel, no passatempo honesto d'um Mandarim retirado,--quando
o surprehendeu este _ti-li-tin_ da campainha. Agora jaz � beira d'um
arroio cantante, todo vestido de s�da amarella, morto, de pan�a ao ar,
sobre a relva verde: e nos bra�os frios tem o seu papagaio de papel, que
parece t�o morto como elle. �manh� s�o os funeraes. Que a sabedoria de
Confucio, penetrando-o, ajude a bem emigrar a sua alma!

E o sujeito, erguendo-se, tirou respeitosamente o chap�o, sahiu, com o
seu guarda-chuva debaixo do bra�o.

Ent�o, ao sentir bater a porta, afigurou-se-me que emergia d'um
pesad�lo. Saltei ao corredor. Uma voz jovial fallava com a Madame
Marques; e a cancella da escada cerrou-se subtilmente.

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Books | Photos | Paul Mutton | Thu 9th Jan 2025, 2:49