O Mandarim by Eça Queirós


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Page 24

Ent�o, allucinado, sentindo atraz rugir a turba, abandonado de todo o
soccorro humano--_precisei de Deus_! Acreditei n'elle, gritei-lhe que me
salvasse; e o meu espirito ia tumultuosamente arrebatando, para lhe
offerecer, fragmentos de ora�es, de _Salv�-Rainhas_, que ainda me
jaziam no fundo da memoria... Voltei-me sobre a anca do potro: d'uma
esquina ao longe surgiu um fogacho de tochas: era a corja!... Larguei de
golpe ao comprido da alta muralha que corria ao meu lado como uma vasta
fita negra furiosamente desenrolada: de subito avisto uma brecha, um
boqueir�o erri�ado d'esgalhos de sar�as, e f�ra a planicie que sob a lua
parecia como uma vasta agua dormente! Lancei-me para l�,
desesperadamente, sacudido aos gal�es do potro... E muito tempo galopei
no descampado.

De repente o poney, eu, rol�mos com um baque surdo. Era uma lag�a.
Entrou-me pela bocca agua putrida, e os p�s enla�aram-se-me nas raizes
molles dos nenufares... Quando me ergui, me firmei no s�lo,--vi o poney,
correndo, muito longe, como uma sombra, com os estribos ao vento...

Ent�o comecei a caminhar por aquella solid�o, enterrando-me nas terras
lodosas, cortando atrav�s do matto espinhoso. O sangue da orelha ia-me
pingando sobre o hombro: � frialdade agreste, o fato encharcado
regelava-se-me sobre a pelle: e por vezes, na sombra, parecia-me v�r
luzir olhos de feras.

Emfim, encontrei um recinto de pedras soltas onde jazia, sob um arbusto
negro, um d'aquelles mont�es d'esquifes amarellos que os chinezes
abandonam nos campos, e onde apodrecem corpos. Abati-me sobre um caix�o,
prostrado: mas um cheiro abominavel pesava no ar: e ao apoiar-me sentia
o viscoso d'um liquido que escorria pelas fendas das t�buas... Quiz
fugir. Mas os joelhos negavam-se, tremiam-me: e arvores, rochas, hervas
altas, todo o horisonte come�ou a girar em torno de mim como um disco
muito rapido. Faiscas sanguineas vibravam-me diante dos olhos: e
senti-me como cahindo de muito alto, devagar, � maneira d'uma penna que
desce...

Quando recuperei a consciencia estava estirado n'um banco de pedra, no
pateo d'um vasto edificio semelhante a um convento, que um alto silencio
envolvia. Dois padres lazaristas lavavam-me devagar a orelha. Um ar
fresco circulava; a roldana d'um po�o rangia lentamente; um sino tocava
a matinas. Ergui os olhos, avistei uma fachada branca com janellinhas
gradeadas e uma cruz no topo: ent�o, vendo n'aquella paz de claustro
catholico como um recanto da patria recuperada, o abrigo e a consola��o,
rolaram-me das palpebras duas lagrimas mudas.




VII


De madrugada, dois padres lazaristas, dirigindo-se a Tien-H�, tinham-me
encontrado desmaiado no caminho. E, como disse o alegre padre Loriot,
�era j� tempo�; porque em redor do meu corpo immovel um negro
semi-circulo d'esses grossos e soturnos corvos da Tartaria j� me estava
contemplando com gula...

Trouxeram-me sem demora para o convento n'uma padiola,--e grande foi o
regosijo da communidade quando soube que eu era um latino, um christ�o e
um subdito dos Reis Fidelissimos. O convento f�rma alli o centro d'um
pequeno burgo catholico, apinhado em torno da maci�a residencia como uma
casaria de servos � base d'um castello feudal. Existe desde os primeiros
missionarios que percorreram a Manchouria. Porque n�s estamos aqui nos
confins da China: para al�m j� � a Mongolia, a Terra das Hervas, immenso
prado verde-escuro, leziria sem fim, colorida aqui e al�m do vivo das
fl�res silvestres...

Ahi jaz a vasta planicie dos Nomadas. Da minha janella eu via negrejar
os circulos de tendas cobertas de feltro, ou de pelles de carneiro; e
por vezes assistia � partida d'uma tribu, em filas de longas caravanas,
levando os seus rebanhos para o oeste...

O superior lazarista era o excellente padre Giulio. A longa permanencia
entre as ra�as amarellas torn�ra-o quasi um chinez: quando eu o
encontrava no claustro com a sua tunica r�xa, o rabicho longo, a barba
veneravel, agitando devagar um enorme leque--parecia-me algum s�bio
letrado mandarim commentando mentalmente, na paz de um templo, o Livro
sacro de Ch�. Era um santo: mas o cheiro d'alho que exhalava--afastaria
as almas mais doloridas e precisadas de consola��o.

Conservo suave a memoria dos dias alli passados! O meu quarto, caiado de
branco, com uma cruz negra, tinha um recolhimento de cella. Acordava
sempre ao toque de matinas. Em respeito aos velhos missionarios, vinha
ouvir a missa � capella: e enternecia-me, alli, t�o longe da patria
catholica, n'aquellas terras mongolicas, v�r � clara luz da manh� a
casula do padre, com a sua cruz bordada, curvando-se diante do altar, e
sentir ciciar no fresco silencio--os _Dominus vobiscum_, e os _Cum
spiritu tuo_...

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Books | Photos | Paul Mutton | Mon 15th Dec 2025, 23:24