O Mandarim by Eça Queirós


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Page 11

Comprehendi ent�o porque me perseguia a figura obesa do velho letrado; e
dos seus labios recobertos pelos longos pellos brancos do seu bigode de
sombra, parecia-me sahir agora esta accusa��o desolada:--�Eu n�o me
lamento a mim, f�rma meio morta que era; ch�ro os tristes que
arruinaste, e que a estas horas, quando tu vens do seio fresco das tuas
amorosas, gemem de fome, regelam na frialdade, apinhados n'um grupo
expirante, entre leprosos e ladr�es, na _Ponte dos Mendigos_, ao p� dos
terra�os do Templo do C�o!�

Oh tortura engenhosa! Tortura realmente chineza! N�o podia levar � bocca
um peda�o de p�o sem imaginar immediatamente o bando faminto de
criancinhas, a descendencia de Ti-Chin-F�, penando, como passarinhos
implumes que abrem debalde o bico e piam em ninho abandonado; se me
abafava no meu paletot era logo a vis�o de desgra�adas senhoras, mimosas
outr'ora de tepido conforto chinez, hoje r�xas de frio, sob andrajos de
velhas s�das, por uma manh� de neve; o tecto d'�bano do meu palacete
lembrava-me a familia do Mandarim, dormindo � beira dos canaes, farejada
pelos c�es; e o meu coup� bem forrado fazia-me arripiar � id�a das
longas caminhadas errantes, por estradas encharcadas, sob um duro
inverno asiatico.

O que eu soffria!--E era o tempo em que a popula�a invejosa vinha pasmar
para o meu palacete, commentando as felicidades inaccessiveis que l�
deviam habitar!

Emfim, reconhecendo que a Consciencia era dentro em mim como uma
serpente irritada--decidi implorar o auxilio d'Aquelle que dizem ser
superior � Consciencia porque disp�e da Gra�a.

Infelizmente eu n�o acreditava n'Elle... Recorri pois � minha antiga
divindade particular, ao meu dilecto idolo, padroeira da minha familia,
Nossa Senhora das D�res. E, regiamente pago, um povo de curas e conegos,
pelas cathedraes de cidade e pelas capellas d'ald�a, foi pedindo a Nossa
Senhora das D�res que voltasse os seus olhos piedosos para o meu mal
interior... Mas nenhum allivio desceu d'esses c�os inclementes, para
onde ha milhares d'annos debalde sobe o clamor da miseria humana.

Ent�o eu proprio me abysmei em praticas piedosas--e Lisboa assistiu a
este espectaculo extraordinario: um rica�o, um Nababo, prostrando-se
humildemente ao p� dos altares, balbuciando de m�os postas phrases de
_Salv�-Rainha_, como se visse na Ora��o e no Reino do C�o que ella
conquista, outra cousa mais que uma consola��o ficticia que os que
possuem tudo inventaram para contentar os que n�o possuem nada... Eu
perten�o � Burguezia; e sei que se ella mostra � Plebe desprov�da um
paraiso distante, gozos ineffaveis a alcan�ar--� para lhe afastar a
atten��o dos seus cofres repletos e da abundancia das suas searas.

Depois, mais inquieto, fiz dizer milhares de missas, simples e cantadas,
para satisfazer a alma errante de Ti-Chin-F�. Pueril desvario d'um
cerebro peninsular! O velho Mandarim na sua classe de letrado, de membro
da Academia dos Han-Lin, collaborador provavel do grande tratado
Khou-Tsuane-Chou que j� tem setenta e oito mil e setecentos e trinta
volumes, era certamente um sectario da Doutrina, da Moral positiva de
Confucio... Nunca elle, sequer, queim�ra mechas perfumadas em honra de
Buddha: e os ceremoniaes do Sacrificio mystico deviam parecer � sua
abominavel alma de grammatico e de sceptico como as pantomimas dos
palha�os, no theatro de Hong-Tung!

Ent�o prelados astutos, com experiencia catholica, deram-me um conselho
subtil--captar a benevolencia de Nossa Senhora das Dores com presentes,
fl�res, brocados e joias, como se quizesse alcan�ar os favores
d'Aspasia: e � maneira d'uin banqueiro obeso, que obtem as complacencias
d'uma dan�arina dando-lhe um _Cottage_ entre arvores--eu, por uma
suggest�o sacerdotal, tentei peitar a d�ce M�i dos Homens, erguendo-lhe
uma cathedral toda de marmore branco. A abundancia das fl�res punha
entre os pilares lavrados perspectivas de paraisos: a multiplicidade dos
lumes lembrava uma magnificencia sideral... Despezas v�s! O fino e
erudito cardeal Nani veio de Roma consagrar a Igreja; mas, quando eu
n'esse dia entrei a visitar a minha hospeda divina, o que vi, para al�m
das calvas dos celebrantes, entre a mystica nevoa dos incensos, n�o foi
a Rainha da Gra�a, loira, na sua tunica azul,--foi o velho malandro com
o seu olho obliquo e o seu papagaio nos bra�os! Era a _elle_, ao seu
branco bigode tartaro, � sua pan�a c�r d'oca, que todo um sacerdocio
recamado d'oiro estava offerecendo, ao roncar do org�o, a Eternidade dos
Louvores!...

* * * * *

Ent�o, pensando que Lisboa, o meio dormente em que me movia, era
favoravel ao desenvolvimento d'estas imagina�es--parti, viajei
sobriamente, sem pompa, com um bah� e um lacaio.

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Books | Photos | Paul Mutton | Fri 10th Jan 2025, 22:12