Amor de Perdição by Camillo Castello Branco


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Page 4

Domingos Botelho desconfiava da efficacia dos merecimentos proprios para
cabalmente encher o cora��o de sua mulher. Inquietava-o o ciume; mas
suffocava os suspiros, receando que Rita se d�sse por injuriada da
suspeita. E raz�o era que se offendesse. A neta do general frigido no
caldeir�o sarraceno ria dos primos, que, por amor d'ella, arri�avam e
empoavam as cabelleiras com um desgracioso esmero, ou cavalleavam
estrepitosamente na cal�ada os seus ginetes, fingindo que os picadores
da provincia n�o desconheciam as gra�as hippicas do marquez de Marialva.

N�o o cuidava assim, por�m, o juiz de f�ra. O intriguista que lhe trazia
o espirito em ancias era o seu espelho. Via-se sinceramente feio, e
conhecia Rita cada vez mais em fl�r, e mais enfadada no trato intimo.
Nenhum exemplo da historia antiga, exemplo de amor sem quebra entre o
esposo deforme e a esposa linda, lhe occorria. Um s� lhe mortificava a
memoria, e esse, com quanto fosse da fabula, era-lhe av�sso, e vinha a
ser o casamento de Venus e Vulcano. Lembravam-lhe as r�des que o
ferreiro coixo fabric�ra para apanhar os deuses adulteros, e
assombrava-se da paciencia d'aquelle marido. Entre si, dizia elle, que,
erguido o v�o da perfidia, nem se queixaria a Jupiter, nem armaria
ratoeiras aos primos. A par do bacamarte de Luiz Botelho, que var�ra em
terra o alferes, estava uma fileira de bacamartes em que o juiz de f�ra
era entendido com muito superior intelligencia � que revelava na
comprehens�o do Digesto e das Ordena�es do Reino.

Este viver de sobresaltos durou seis annos, ou mais seria. O juiz de
f�ra empenh�ra os seus amigos na transferencia, e conseguiu mais do que
ambicionava: foi nomeado provedor para Lamego. Rita Preciosa deixou
saudades em Villa Real, e duradoura memoria da sua soberba, formosura e
gra�as de espirito. O marido tambem deixou anecdotas que ainda agora se
repetem. Duas contarei s�mente para n�o enfadar. Acontec�ra um lavrador
mandar-lhe o presenle de uma vitella, e mandar com ella a vacca para se
n�o desgarrar a filha. Domingos Botelho mandou recolher � loja a vitella
e a vacca, dizendo que quem dava a filha dava a m�e. Outra vez, deu-se o
caso de lhe mandarem um presente de pasteis em rica salva de prata. O
juiz de f�ra repartiu os pasteis pelos meninos, e mandou guardar a
salva, dizendo que receberia como escarneo um presente de d�ces, que
valiam dez patac�es, sendo que naturalmente os pasteis tinham vindo como
ornato da bandeja. E assim � que ainda hoje, em Villa Real, quando se d�
um caso analogo de ficar alguem com o conte�do e continente, diz a gente
da terra: �Aquelle � como o doutor brocas.�

N�o tenho assumpto de tradi��o com que possa deter-me em miudezas da
vida do provedor em Lamego. Escassamente sei que D. Rita aborrecia a
comarca, e amea�ava o marido de ir com os seus cinco filhos para Lisboa,
se elle n�o sahisse d'aquella intratavel terra. Parece que a fidalguia
de Lamego, em todo o tempo orgulhosa d'uma antiguidade, que principia na
acclama��o de Almacave, desdenhou a philaucia da dama do pa�o, e
esmerilhou certas vergonteas p�dres do tronco dos Botelhos Correias de
Mesquita, desprimorando-lhe as s�s com o facto de elle ter vivido dois
annos em Coimbra tocando flauta.

Em 1801 achamos Domingos Jos� Correia Botelho de Mesquita corregedor em
Vizeu.

Manoel, o mais velho de seus filhos, tem vinte e dois annos, e frequenta
o segundo anno juridico. Sim�o, que tem quinze, estuda humanidades em
Coimbra. As tres meninas s�o o prazer e a vida toda do cora��o de sua
m�e.

O filho mais velho escreveu a seu pae queixando-se de n�o poder viver
com seu irm�o, temeroso do genio sanguinario d'elle. Conta que a cada
passo se v� amea�ado na vida, porque Sim�o emprega em pistolas o
dinheiro dos livros, e convive com os mais famosos perturbadores da
academia, e corre de noite as ruas insultando os habitantes e
provocando-os � luta com assuadas. O corregedor admira a bravura de seu
filho Sim�o, e diz � consternada m�e que o rapaz � a figura e o genio de
seu bisav� Paulo Botelho Correia, o mais valente fidalgo que d�ra
Traz-os-Montes.

Manoel, cada vez mais aterrado das arremettidas de Sim�o, s�e de Coimbra
antes de ferias, e vai a Vizeu queixar-se, e pedir que lhe d� seu pae
outro destino. D. Rita quer que seu filho seja cadete de cavallaria. De
Vizeu parte para Bragan�a Manoel Botelho, e justifica-se nobre dos
quatro costados para ser cadete.

No entanto Sim�o recolhe a Vizeu com os seus exames feitos e approvados.
O pae maravilha-se do talento do filho, e desculpa-o da extravagancia
por amor do talento. Pede-lhe explica�es do seu mau viver com Manoel, e
elle responde que seu irm�o o quer for�ar a viver monasticamente.

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Books | Photos | Paul Mutton | Wed 8th Jan 2025, 4:06