Opúsculos por Alexandre Herculano - Tomo I by Alexandre Herculano


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Page 3




A VOZ DO PROPHETA


1837




INTRODUC��O

1867


Depois da epocha em que o seguinte opusculo foi publicado e dos factos
que lhe deram origem, t�em decorrido mais de trinta annos. Os homens que
intervieram nesses factos dormem j�, pela maior parte, debaixo da terra.
Com raras excep�es, restam apenas alguns dos que eram mais mo�os. O
auctor da _Voz do Propheta_ pertence a esse numero. Contava vinte e seis
annos naquelle tempo.

O homem de hoje p�de julgar imparcialmente o escripto do homem de ent�o.
O animo tranquillo p�de avaliar a paix�o que o inspirou. Aquelles a quem
esse verbo ardente feria viram no auctor um partidario que friamente
calculava os resultados politicos das suas palavras. Injusti�a ou erro;
o mesmo que havia da parte delle em ver nos homens que forcejavam por
dirigir a revolta de 1836, por fazer sair desse facto um governo
regular, grandes criminosos. A verdade era que, n'uns davam-se ambi�es,
mas ambi�es talvez nobres; n'outros houve, de certo, o sacrificio das
proprias sympathias, o silencio imposto �s proprias convic�es, para que
a revolta n�o degenerasse em anarchia. Em muitos desses individuos,
apparentemente revolucionarios, havia o patriotismo reflexivo, e at� a
abnega��o, emquanto em n�s, os que os aggrediamos com a sinceridade da
indigna��o, havia, por amor exagerado aos bons principios, uma colera
que em muitas cousas offuscava a raz�o. A _Voz do Propheta_ representa
esse estado dos espiritos.

Hoje a exagera��o sincera do insulto, a invectiva hyperbolica,
inspirada, n�o pelo calculo, mas pelas irrita�es da consciencia, mal se
comprehende. Neste crepusculo da vida publica, t�o favoravel �s
prostitui�es do cidad�o, como o crepusculo do dia �s prostitui�es da
mulher; nesta epocha de extrema agonia, iniciada pela proclama��o dos
_interesses materiaes_ acima de tudo, f�rmula decente de sanctificar o
egoismo, porque para cada individuo o interesse material alheio � apenas
um interesse de ordem moral; agora que a boa educa��o dos homens novos
mudou a linguagem politica, e vai arrojando para os archaismos
historicos a lucta face a face, a punhalada pelos peitos; agora que a
strychnina da allus�o calumniosa e amena, o enredo tortuoso, a trai��o
ridente v�o expulsando da arena das fac�es as objurgatorias, rudes na
substancia e na f�rma, a _Voz do Propheta_ �, sem duvida, uma composi��o
agreste e brutal. Inutil como exemplo e modelo, servir� todavia como
amostra do que eram as malevolencias da gera��o cujos raros
representantes, hoje quasi estrangeiros no seu paiz, n�o tardar�o a ir
esconder no tumulo as ultimas grosserias que deturpam a suavidade dos
costumes e as tolerancias de toda a especie dos cultos filhos de
barbaros.

Os homens que em 1837 se aggrediam violentamente na imprensa e no campo
tinham, de feito, habitos e sentir diversos dos actuaes. As febres
politicas eram ent�o ardentes, indomaveis, porque derivavam de cren�as.
Naquella epocha havia, como houve sempre, belforinheiros da politica;
mas constituiam a excep��o. O geral era gente baptisada com fogo e com
sangue nas duas religi�es inimigas do absolutismo e do liberalismo.
Chamo-lhes religi�es, porque o eram. A guerra civil, que terminara em
1834, tivera muitos dos caracteres das antigas cruzadas. Sobretudo nos
primeiros impetos della, haviam-se practicado actos de abnega��o, de
constancia, de valor e de soffrimento sobrehumanos, ao passo que se
perpetravam outros de bruteza e ferocidade inauditas. A maior parte
delles, factos obscuros, individuaes, reiterados cada dia, cada hora
daquelle prolongado paroxismo de grandiosa barbaria, n�o os registou,
n�o os registar� nunca a historia, talvez. E todavia, � isso que explica
a proceridade da estatura moral dos homens daquelle tempo, estatura a
que n�o chegaram, nem provavelmente chegar�o as gera�es subsequentes.
Sem paix�es violentas e exclusivas, n�o ha as energias que assombram.
Ent�o a existencia e os commodos e gosos della eram t�o casuaes e
transitorios, as priva�es e dores de t�o completa vulgaridade, que dar
a vida ou tir�-la aos outros pouco mais significavam do que ac�es
indifferentes. Diante do fanatismo politico, a reflex�o que discrimina o
bom do mau, o justo do injusto, quasi que era puerilidade. Podia
ceder-se, e n�o raro cedia-se, a instinctos generosos para com o
adversario: a justi�a em apreci�-lo moralmente, ou em respeitar-lhe os
direitos, isso � que se tornara difficil.

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Books | Photos | Paul Mutton | Thu 28th Mar 2024, 13:55